terça-feira, 9 de outubro de 2012

Para onde caminha a humanidade? A Educação conseguirá acompanhá-la?

Para onde caminha a humanidade? A Educação conseguirá acompanhá-la?
Publicado em 23/08/2012

Ninguém sabe, muito menos eu, como será o mundo daqui a meros cinco anos. Porém, algumas coisas nós podemos prever para a próxima década com certa razoabilidade.
No universo da Educação, prever acontecimentos futuros é muito importante, ainda que raramente alguém se preocupe com isso, pois nessa área caminha-se sempre muito lentamente e algumas mudanças ocorrem no intervalo de duas ou mais gerações (quando ocorrem!). Coisas que para alguns gestores públicos, gestores escolares e professores soam hoje como novidade e causam sérias dificuldades de implantação, são, na verdade, velharias que já estão por aí há uma ou duas décadas, como os computadores, a internet e as TDIC de forma geral.

Precisamos ter alguma ideia do que espera por nossos alunos no futuro para que possamos começar desde já a construir teorias e práticas que serão fundamentais daqui há uma ou duas décadas. Não parece razoável que estejamos hoje lutando ainda para tentar salvar paradigmas que já estão putrefatos e modelos que são sabidamente fracassados. Se tivermos que salvar alguma coisa, então que sejam os nossos filhos e netos.

Em alguns casos não é difícil fazer previsões. Por exemplo, é óbvio que não retrocederemos. Somente essa “previsão” básica já deveria nos bastar para que deixássemos de lado atitudes e medidas retrógradas que têm como propósito apenas o retrocesso. Só para ilustrar um exemplo claro disso na seara da Educação, reflitamos sobre a perseguição insana aos “telefones celulares”.

Ora, telefones celulares sequer existem mais! O que se tem hoje em dia são dispositivos móveis multimidiáticos e interconectados em rede que, além das 1001 utilidades que já possuem, e que todos os dias são expandidas, também servem como telefones!

Desde que o bisavô desses aparelhos surgiu, na época com a função única de ser um telefone móvel, mês após mês só assistimos a um desenvolvimento exponencial de funcionalidades cada vez mais úteis. É fácil antever que daqui a cinco anos esses aparelhos terão atingido uma funcionalidade tal que possam substituir quase todos os aparelhos que usamos atualmente para comunicação, entretenimento, educação e negócios, por exemplo.

Em um único aparelhinho desses já é possível realizar tarefas que vão da leitura de um livro, a audiência de um filme, ou da distração de um videogame até transações bancárias complexas. Daqui a uma década esse tipo de dispositivo terá expandido suas funcionalidades tanto para mais coisas banais, como controlar eletrodomésticos, quanto para outras mais sofisticadas, como gerenciar seu computador, secretariar seu dia a dia ou dirigir seu carro.

Então reflita comigo: como nossos filhos vão lidar com isso daqui a dez anos se a escola onde eles estudam agora quer banir os mobiles de parte importante de suas vidas (sim, a escola é parte importante da vida de nossos filhos!) sob o pretexto de que eles “atrapalham a educação”? De fato, eles atrapalham mesmo a Educação que temos hoje nas escolas, e isso é uma grande e inegável verdade, porém, também é uma grande vitória! Atrapalhar um sistema educacional falido e decadente é um ato de heroísmo entremeio a uma batalha épica entre o novo que está brotando e o ultrapassado que está definhando.

Nossos alunos não deveriam carregar mochilas imensas, cheias de livros e cadernos que cabem tranquilamente em um smartphone ou num mini tablet. Eles não precisam mais carregar agendas, relógios, calculadoras, dicionários ou mesmo lápis. Tudo isso já pode ser “embutido” nos aparelhos atuais que, ainda que nos pareçam modernos, daqui a uma década se parecerão com o velho telefone celular “do tipo tijolão”, aquele que tínhamos a justos dez anos atrás e que só servia para informar que não havia sinal analógico disponível na área onde estávamos. Você se lembra disso? Já éramos modernos naquele tempo, não?

Nossos alunos não precisam de um professor de história que saiba de cor datas e nomes de personagens históricos e que ache o máximo da didática contemporânea copiar textos na lousa para depois formular questões de memorização. Esse professor é absolutamente
dispensável, não serve mais. É mais barato para a sociedade distribuir aos alunos tablets que podem transportar toda essa informação em pouco espaço e com pronta disponibilidade (e que vai para casa com o aluno!) do que pagar um cérebro tosco para armazenar apenas uma parte disso tudo e, ainda assim, com pouca disponibilidade e quase nenhuma mobilidade.

O mesmo vale para os professores de qualquer outra disciplina, com exceção justa e devida aos professores alfabetizadores, que têm ainda a grande tarefa de levar aos pequenos as primeiras letras. Mas, mesmo esses já podem e devem contar com recursos menos miseráveis do que uma lousa com giz e apagador, uma apostila aleijada e estática e um caderno amarelado que se tornará lixo no final do ano. Os pequenos podem aprender a ler ouvindo e lendo simultaneamente as palavras, as estórias, a voz gravada do seu próprio professor.

Podem aprender a escrever com um corretor ortográfico (e em breve um corretor caligráfico!) que lhes aponte em tempo real onde estão errando ou acertando. Eles podem fazer coisas incríveis com esses “brinquedinhos inteligentes” que queremos (mas não podemos) proibir que usem.

Nossos alunos não precisam de um professor de história que saiba de cor datas e nomes de personagens históricos e que ache o máximo da didática contemporânea copiar textos na lousa para depois formular questões de memorização. Esse professor é absolutamente
dispensável, não serve mais. É mais barato para a sociedade distribuir aos alunos tablets que podem transportar toda essa informação em pouco espaço e com pronta disponibilidade (e que vai para casa com o aluno!) do que pagar um cérebro tosco para armazenar apenas uma parte disso tudo e, ainda assim, com pouca disponibilidade e quase nenhuma mobilidade.

O mesmo vale para os professores de qualquer outra disciplina, com exceção justa e devida aos professores alfabetizadores, que têm ainda a grande tarefa de levar aos pequenos as primeiras letras. Mas, mesmo esses já podem e devem contar com recursos menos miseráveis do que uma lousa com giz e apagador, uma apostila aleijada e estática e um caderno amarelado que se tornará lixo no final do ano. Os pequenos podem aprender a ler ouvindo e lendo simultaneamente as palavras, as estórias, a voz gravada do seu próprio professor. Podem aprender a escrever com um corretor ortográfico (e em breve um corretor caligráfico!) que lhes aponte em tempo real onde estão errando ou acertando. Eles podem fazer coisas incríveis com esses “brinquedinhos inteligentes” que queremos (mas não podemos) proibir que usem.

Há muito mais para ser pensado, criado e destruído do que nossa capacidade de compreender as mudanças em nosso próprio entorno. Já acabou a era dos gênios solitários, das teorias de um profeta só. Estamos na era do conhecimento construído socialmente, fruto de uma inteligência que extrapola nossos cérebros individuais. Estamos na era da mobilidade, das redes, da construção coletiva. E é sob essa ótica que precisamos começar a enxergar uma nova escola.

Nossa geração é um tanto covarde, submissa, conformista, consumista, apática e servil. Fomos educados, nesse mesmo modelo de escola que ainda temos, para sermos assim: “bundões”. Mas, quem sabe consigamos salvar as próximas gerações (temos que acreditar que podemos!) e, talvez, em um futuro distante, arqueólogos descubram em nós algum valor que nós mesmos não somos capazes de acreditar que possuímos.

Sobre o autor: José Carlos Antonio, @profjc , físico, professor, autor de material didático de Física para o Ensino Médio e cursinhos, autor de material didático de Matemática para o Ensino Fundamental, autor de material didático para formação de professores (EAD), formador do Cenpec e do Educarede, consultor de EAD e TI, trabalha com o uso pedagógico das TICs há cerca de duas décadas e participou de “n” projetos nessa área ao longo desses anos. Twitter: @profjc ; Facebook: ProfiJC ; Blog:http://professordigital.wordpress.com Email: profjc@gmail.com

“Educação se faz de pessoa para pessoa”

Paulo Blikstein é um engenheiro que se apaixonou por educação. Não é que ele tenha resolvido colocar a graduação na USP de lado e se dedicar a uma área completamente diferente na sua vida acadêmica. Decidiu, antes de tudo, colocar seu talento na engenharia a serviço da educação e estudá-la a fundo. Hoje, professor assistente da School of Education de Stanford, no coração do Vale do Silício, região norte-americana onde a inovação é mais pulsante, ele e sua equipe tentam contribuir com a melhora dos processos de ensino-aprendizagem pelo mundo. Para tanto, criam tecnologias que tornam o aprendizado uma experiência mais enriquecedora e se esforçam para torná-las baratas; desenvolvem formas de avaliação que buscam entender como os alunos aprendem; e, além disso, tentam convencer a sociedade de que tornar as escolas mais inovadoras é uma decisão política pela qual vale a pena lutar.

Como é possível desconfiar, a tecnologia está no cerne dos trabalhos do brasileiro. Contudo, Blikstein critica o uso irrestrito desses recursos. Num momento em que muitas possibilidades tecnológicas emergem na educação, o pesquisador faz um alerta: a tecnologia é importante, mas o diferencial para qualquer país que queira transformar sua educação é o capital humano. “Educação se faz de pessoa para pessoa”, afirma ele.

O que essa nova invenção está propondo é um jeito de otimizar um sistema falido ou é um jeito novo de fazer educação?

Em conversa com o Porvir, Blikstein contou sua experiência em Stanford, falou da sua aposta no aprendizado baseado em projetos e defendeu que a criatividade e a inovação sejam desenvolvidas desde cedo nas escolas. Confira.


Temos visto a educação estar cada vez mais nas rodas de discussão. É possível dizer que o assunto virou uma preocupação geral?

Você sabe essa piada que o Brasil tem 190 milhões de técnicos de futebol. Todo mundo acha que entende e dá palpite. Na educação é parecido. A educação virou um assunto-chave porque a maioria dos países percebeu que capital humano é o mais importante. O resto você pode comprar: recursos naturais, até tecnologia. As pessoas são as que fazem a diferença. Você olha os países que realmente tiveram boom de desenvolvimento. Sem gente boa para sustentar a inovação, o desenvolvimento das tecnologias e ensinar as novas gerações, a coisa acaba. As pessoas estão percebendo isso e virou uma questão Por um lado, é bom porque mostra que as pessoas querem ajudar a educação. Mas o lado ruim é que você precisa de um filtro.

Como diferenciar uma boa ideia de uma ideia inovadora?

A profissão do educador deveria se voltar para ser um filtro de todas essas invenções antes de chegar ao aluno. A pergunta fundamental que faço é: o que essa nova invenção está propondo é um jeito de otimizar um sistema falido ou é um jeito novo de fazer educação? 90% são um jeito de otimizar um sistema falido. E que sistema é esse? É aquele onde a educação é um processo de transmissão de conhecimento. O conhecimento está pronto e a gente precisa enfiá-lo na cabeça das crianças. As pessoas sugerem vídeos on-line, animações superdivertidas, cinema. Mas é sempre o mesmo paradigma. Um paradigma, mais alinhado com o século 21, é admitir que parte desse conhecimento está pronto, mas para aprender, o aluno precisa gerar sua própria versão das coisas. Ele tem que olhar o mundo e reconstruir isso tudo na cabeça. O conhecimento é sempre construído. Tudo o que se puder facilitar, melhorar, otimizar, enriquecer essa reconstrução, será educação para o século 21.

Qual é o papel do professor num contexto de inclusão das tecnologias em sala de aula?

Eliminar o professor da educação é um projeto recorrente e que consistentemente vem dando errado. A escola ajuda a entrar em contato com o conhecimento, a organizar o tempo, a se disciplinar. Os alunos, que ainda estão em formação intelectual, afetiva e das suas habilidades não cognitivas, precisam de adultos, de pessoas que diagnostiquem o que elas sabem e o que elas não sabem, receitem o que precisa ser feito. Educação é uma atividade de pessoa para pessoa.

O senhor considera o aprendizado baseado em projetos uma tendência?

Tanto acho que um dos principais projetos que eu estou fazendo, o Fablab at School, leva o aprendizado baseado em projetos para escolas do mundo todo. É um laboratório de fabricação digital que fazemos nas escolas. Levamos uma impressora 3D, uma cortadora a laser, robótica, eletrônica – máquinas que só estão disponíveis para engenheiros e de empresas de design – a crianças de 12 anos. Os projetos que elas conseguem fazer não são diferentes dos de alunos de engenharia do terceiro ano. A gente dá as mesmas ferramentas e as crianças tendem a ser mais criativas. Mas um dos problemas do aprendizado baseado em projetos é que não existem boas formas de avaliá-lo. Então estamos desenvolvendo, usamos sensores biológicos, colados no corpo da criança, que conseguem ver seu nível de empolgação em uma atividade; rastreadores oculares, que indicam para onde a criança está olhando e a dilatação da pupila para saber se ela está interessada; algoritmos que olham padrões de colaboração. Analisamos se o tipo de raciocínio que ela usa evolui na medida em que participa do projeto.

O jeito como a gente ensina é a imagem do que a gente é como sociedade
E dá para fazer esses laboratórios em grande escala?


É uma questão de se decidir o que é importante. Se você acha que invenção, inovação, criatividade é menos importante que futebol, então você vai ter uma quadra e não vai ter um laboratório. É uma questão de vontade política. Quando a gente, como sociedade, decide que alguma coisa é importante, a gente faz essas coisas acontecerem, a gente cria toda uma ecologia e um aparato.

E o Brasil já fez essa opção pela inovação?

O Brasil é o país perfeito para a inovação porque estamos inovando o tempo todo, achando soluções supercriativas para as coisas. Não entendo por que não se explora essa vocação na educação. Tem que começar cedo e perder o medo de que, se dedicar 20% das horas na escola para coisas mais criativas, você vai aprender 10% a menos de matemática. Essa é a matemática que todo mundo vai esquecer de qualquer jeito.

Isso implicaria numa flexibilização nos parâmetros curriculares, certo?

Se você tem 16 disciplinas no Ensino Médio e cada uma tem 45 minutos, não dá tempo de você fazer nada. Você pode flexibilizar de forma que os alunos possam escolher o que eles querem fazer – você não precisa forçar todo mundo a aprender a mesma coisa. Se você tem um supertalento em matemática, mas não tem um curso que possa fazer, você está desperdiçando um talento. Todo talento alocado no lugar errado é uma ineficiência do sistema.

Qual é a escola que você quer?

Uma escola onde os alunos encontrem sua paixão intelectual desde cedo, que tenham professores que saibam alimentar isso de uma forma produtiva, tenham ferramentas apropriadas para expressar esse talento. Escolas onde as crianças aprendam a aprender, aprendam a ensinar outras pessoas, onde se crie o espírito cívico e democrático como uma coisa endêmica. O jeito como a gente ensina é a imagem do que a gente é como sociedade. O que eu faço, como professor e pesquisador, é criar novas formas de avaliação, novas tecnologias, tecnologias de baixo custo, convencer a sociedade de que essa é uma decisão que vale a pena abraçar.

A escola é o lugar que atrasa o século 21?

A escola é o lugar que atrasa o século 21?, diz especialista

David Albury acredita que educação moderna não possui um modelo, mas indica algumas tendências
25 de setembro de 2012

Não importa muito como ela seja chamada: educação 3.0, educação para o século 21, educação para a vida. Mas a verdade é que muitos educadores já perceberam que os sistemas educacionais precisarão se adaptar se quiserem formar alunos capazes de lidar com a quantidade de informação hoje acessível, hábeis em administrar problemas cada vez mais complexos e prontos para serem atuantes em um mercado que exige habilidades que não ensinadas nos livros. Cientes desse descompasso entre o que a escola oferece e o que o mundo exige, um grupo de especialistas decidiu formar o Global Education Leaders Program (Gelp) para discutir problemas reais de sistemas educacionais espalhados pelo mundo e suas possíveis soluções.

"Não há uma resposta única nem um só modelo a ser seguido", diz David Albury, diretor de design e desenvolvimento do Gelp. O britânico, que foi conselheiro do primeiro-ministro para assuntos estratégicos entre 2002 e 2005, vem conversando com alunos e educadores e conhecendo modelos em todo o mundo. Diante do que tem visto, Albury encontra três tendências importantes para a educação do século 21: personalização, aprendizado baseado em projetos e avaliação por performance.

A personalização, explica ele, não quer dizer necessariamente a adoção de plataformas educacionais online, mas a configuração do aprendizado para necessidades de cada aluno. "A tecnologia é parte essencial nesse processo, mas não é o processo", afirma ele. Como exemplo de escola que desenvolve um ensino personalizado, Albury cita a escola sueca Kunskapsskolan, em que os alunos desenvolvem, com a ajuda de tutores, seus planos individuais de estudo adequado às suas paixões e afinidades, com metas claras, que podem ser acompanhadas ao longo do ano.

O aprendizado baseado em projetos, afirma Albury, tem sido uma escolha que escolas ou grupos de escolas têm feito para desenvolver habilidades nos alunos de maneira menos compartimentalizada. Nessa abordagem, os alunos precisam desenvolver um projeto e, durante o processo, aprendem conceitos das mais diversas disciplinas, trabalham em equipe, tomam decisões. Apesar de ser uma tendência, diz o britânico, ele não conhece nenhum sistema público de ensino que use o formato em todas as suas escolas. "Não precisa ser adotado em sistemas inteiros. Isso pode acontecer de forma piloto", afirma. "Não podemos esperar que os sistemas já comecem perfeitos. Leva tempo para acertar, as pessoas cometem erros."

Já sobre as avaliações por performance, afirma ele, surgem na tentativa de medir e reconhecer habilidades que os testes de múltipla escolha não conseguem. "Como é que eu avalio se um aluno é criativo? Ou se ele é bom em resolver problemas da vida real?", pergunta Albury. Essa questão, que tem afligido líderes educacionais de todo o mundo, não está respondida, mas há algumas tentativas, diz o inglês, de usar colegas, família e comunidade na construção de novas formas de avaliar.

Outra realidade que tem se tornado cada vez mais clara é que processos educativos muito ricos têm ocorrido fora da escola. Albury conta que esteve em uma reunião com alunos canadenses de 13 anos. Um deles lhe disse: "Quando eu venho para a escola, eu sinto que eu estou sendo desempoderado. Fora da escola, eu tenho acesso a várias fontes de informação. Na escola, eu tenho um professor, um livro, talvez um computador." Um colega dele concluiu: "A escola é o lugar que atrasa o século 21."

Trazer a educação que ocorre fora da escola para dentro é um desafio a mais para os professores, que precisam remoldar a forma como lidam com o ofício. "É também uma questão de identidade dos professores." Para tanto, a participação das universidades é fundamental. Nesse quesito, diz o especialista, a demografia do Brasil é mais favorável do que a de países europeus, onde há poucos professores se formando e muitos estão em atividade há muitos anos. "Mais difícil do que aprender é desaprender", afirma Albury.

Equipe brasileira

Formado há quatro anos, o Gelp começou com quatro membros: Ontário (Canadá), Nova York (EUA), Vitória (Austrália) e Inglaterra. No ano passado, o Brasil passou a fazer parte do Gelp, que hoje já tem 13 membros, entre cidades, estados e países. Entre os representantes brasileiros estão a Secretaria Municipal do Rio e as estaduais de São Paulo, Goiás e Pernambuco. Os participantes se encontram duas vezes por ano e, virtualmente, compõem uma rede com atividades ao longo do ano. Em novembro, o Rio de Janeiro será anfitrião do segundo encontro de 2012

segunda-feira, 2 de julho de 2012

"Todo professor deve ter um pouco de ator"

Entrevista com Ariano Suassuna

O escritor e secretário de Cultura de Pernambuco conta como aprendeu a ler e se apaixonou por literatura e diz por que nunca deixou os alunos entediados em 32 anos de magistério

Ao completar 80 anos no dia 16 de junho, o romancista, dramaturgo e poeta Ariano Suassuna - está cheio de planos. Em janeiro, ele assumiu a Secretaria da Cultura de Pernambuco - seu terceiro cargo público -, prometendo continuar na defesa da cultura popular brasileira, que apóia como poucos.

Dessa vez, Ariano se empenha para colocar em prática o projeto batizado de A Onça Malhada, a Favela e o Arraial. Trata-se de uma iniciativa que vai levar para os quatro cantos do estado (das periferias das cidades aos rincões do sertão) suas célebres aulas-espetáculo, palestras que há anos fascinam os brasileiros. Se o escritor já lota os auditórios por onde passa, agora ele pretende convidar o povo simples, "do Brasil real", para o escutar embaixo de uma lona de circo, acompanhado de bailarinos e músicos. "Sou um pouco ator, como todo professor deve ser", justifica o "pai" de Chicó e João Grilo, personagens de sua mais célebre obra, o Auto da Compadecida.

Formado em Direito e Filosofia, ele lecionou durante 32 anos na Universidade Federal de Pernambuco. Em 1999, assumiu a cadeira de número 32 da Academia Brasileira de Letras e, em 2002, foi homenageado pela escola de samba carioca Império Serrano. "Não vi diferença entre as duas honrarias", afirma. Nesta entrevista, concedida à NOVA ESCOLA no seu casarão do século 19, localizado às margens do rio Capiberibe, no Recife, o criador de histórias como O Santo e A Porca, entre tantas outras que têm o Nordeste como inspiração, fala como se tornou um grande leitor e escritor, comenta a situação da Educação brasileira e diz quais são as estratégias que usa para dar boas aulas desde os 17 anos.

Com quantos anos o senhor aprendeu a ler?
Ariano Suassuna: Antes de entrar para a escola, aos 7 anos, orientado pela minha mãe e por uma tia, lá no sertão de Taperoá, na Paraíba. Hoje isso é muito raro, pois as mulheres têm de trabalhar fora, não é?

O hábito da leitura vem dessa mesma época?
Suassuna: Eu não tenho o hábito da leitura. Eu tenho a paixão da leitura. O livro sempre foi para mim uma fonte de encantamento. Eu leio com prazer, leio com alegria. O meu pai, que perdi aos 3 anos de idade, deixou de herança para nós uma biblioteca fabulosa para os padrões do sertão naquela época. Tinha de tudo. Ibsen, Dostoiévski, Cervantes, Machado de Assis, Euclides da Cunha. Meus tios também viviam comprando livros em Campina Grande para eu ler. Era Eça de Queiroz, Guerra Junqueira e um título do qual me lembro muito, Dodinho, de José Lins do Rego.

Como começou a escrever?
Suassuna: Certo dia, eu tive uma prova de Geografia e não sabia nada. Então, resolvi dar as respostas por meio de versos. O professor quis saber quem era aquele aluno e, em vez de me dar uma bronca, me elogiou. Dias depois, ele deu um jeito de publicar no Jornal do Commercio, aqui, do Recife, um de meus poemas que havia mostrado a ele. Em 1947, eu e outro colega fundamos o Teatro do Estudante de Pernambuco, que encenava peças de nossa autoria. Nesse mesmo ano, escrevi Uma Mulher Vestida de Sol e não parei mais.

No que está trabalhando agora?
Suassuna: Estou concluindo o Romance d’A Pedra do Reino, lançado em 1971. Estou devendo isso aos meus leitores desde 1981.

O senhor usa o computador para escrever?
Suassuna: Jamais! Escrevo tudo a mão. Minha letra é muito bonita. Acho que a única função do computador foi aposentar as máquinas de datilografia, que já usei um dia. O meu genro é quem lê os originais e depois passa para o computador.

A popularização de sua obra literária se deve muito à TV. Como ela pode se tornar um aliado do professor no fomento à paixão pela leitura?
Suassuna: A TV é um meio de comunicação no qual a oralidade predomina. Se o professor escolher boas adaptações, como a que Guel Arraes fez de O Coronel e o Lobisomem, do meu amigo José Cândido de Carvalho, exibir para os alunos e depois facilitar o acesso ao livro, eu duvido que eles não se interessem. Mas é preciso lembrar de fazer o aluno participar da aula, como se fosse um ator!

Essa era sua estratégia em sala de aula quando lecionava?
Suassuna: Eu sou professor desde os 17 anos. Sempre fui criativo. Uma das coisas de que fazia muita questão é que meus alunos não se entediassem. Acho que todo professor tem de ter alguma coisa de ator, senão ele não terá sucesso. Sendo somente um expositor de idéias, dificilmente ele chamará a atenção dos estudantes.

Como era seu método de avaliação?
Suassuna: Na universidade, minhas provas não eram difíceis e nunca reprovei por faltas. Eu não queria que os alunos fossem à aula por obrigação. Fazia questão de nunca fazer chamada e também passava trabalhos que estivessem de acordo com o nível de aprendizado deles.

Suas aulas-espetáculo, que já encantaram tantas pessoas Brasil afora, são planejadas?
Suassuna: Não. Eu tenho um certo dom de improviso e ele nunca me faltou. Uma vez, um colega me provocou por causa disso e eu recorri a uma estrofe de um cantador de repentes que eu conhecia para dar a resposta. Ela diz assim: "Para brigar de tiro e faca/ não sirvo/ não presto não./ Mas solto assim sobre um palco/com um microfone na mão./ Eu sou onça matadeira/ sou tigre bravo e leão". Ele ficou com tanto medo de mim que se encolheu todo.

Hoje muitos professores promovem rodas de conversa com as crianças. O que o senhor pensa dessa prática?
Suassuna: Acho ótimo! Não tem nada melhor do que desenvolver a oralidade desde cedo. Eu, muito antes de saber ler, já recitava de cor muitos versos de cordel e acompanhava as cantorias de viola em Taperoá, para onde volto sempre. No sertão, a gente fala muito e foi justamente desse falatório todo que tirei inspiração para os meus livros.

O senhor é um crítico ferrenho do chamado "lixo cultural" que os Estados Unidos tentam impor ao resto do mundo. Quando isso começou aqui no Brasil?
Suassuna: Na época da Segunda Guerra. Natal e Recife se tornaram bases aéreas e navais importantes para os Estados Unidos e se encheram de americanos. Dizem que lá em Natal um sertanejo analfabeto pegou um táxi e foi dar uma volta pela cidade. E aí ele viu uma placa com as expressões "Stop" e "Pare". Sem saber ler, perguntou ao motorista o que significava. Este, já tão colonizado pelos americanos, respondeu: "‘Stop’, que está em cima, significa pare. Embaixo está escrito ‘peire’, mas eu não sei o que significa, não". Quer dizer: o chofer nem sabia mais ler em português. (risos)

Qual sua prioridade na Secretaria de Cultura?
Suassuna: É o projeto A Onça Malhada, a Favela e o Arraial, que vai percorrer Pernambuco levando dança, teatro, música, canto e literatura ao público. As apresentações acontecerão em um circo itinerante. O nome do projeto, eu explico de trás para a frente. O arraial é uma homenagem a Canudos, o episódio mais significativo da história brasileira. Já a favela é por que lá moram os que também precisam de cultura, como eu e você. Quanto ao fato de a onça ser malhada, trata-se de um mea-culpa que fiz sobre o jeito como classificava o povo brasileiro.

Que jeito era esse?
Suassuna: Eu tinha aprendido com Euclides da Cunha que nós éramos pardos. Gilberto Freyre, por sua vez, dizia que éramos morenos. Até que no censo de 1980 voltou a pergunta sobre a cor das pessoas. Deu uma polêmica danada. Vieram me ouvir e eu dizia que todo brasileiro era mestiço, influenciado por Sylvio Romero. Quando a dúvida ficou insuportável, só uma frase do padre Vieira me salvou. Ele diz: "Quem quiser acertar em história, em política ou em sociologia deve consultar as entranhas dos sacrificados".

E o que o senhor fez?
Suassuna: Deixei de ouvir todos e até a mim mesmo e fui consultar o movimento negro do Recife. Me disseram que todos esses termos (pardos, morenos, mestiços) atrapalhavam a vida e eles só queriam ser vistos como negros, simplesmente. Por isso eu passei a não representar mais o povo brasileiro pela onça castanha, a mestiça, e sim pela malhada, aquela que tem as cores misturadas e, de certa forma, representa todas as nossas tonalidades de pele.

Então, ao escrever o Auto da Compadecida, em 1955, o senhor ainda não tinha consciência do problema racial brasileiro?
Suassuna: Isso mesmo. Tanto que na primeira versão o Cristo era branco. A mudança na cor da pele foi um momento de indignação meu motivado pelo comportamento dos americanos. Tinha visto na revista Life a foto e a notícia de um comício contra a inclusão das primeiras crianças negras nas escolas brancas dos Estados Unidos. Em primeiro plano na foto tinha uma mulher segurando um cartaz que dizia: "Deus foi o primeiro segregacionista ao criar raças diferentes". Atribuir a Deus uma coisa tão odiosa quanto o racismo me deu uma raiva tão grande que na mesma hora mudei o texto e transformei o Cristo num negro.

Qual a diferença entre ter virado imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), em 1999, e ser homenageado pela escola de samba carioca Império Serrano três anos depois?
Suassuna: Absolutamente nenhuma. Cada uma teve seu lado negativo e positivo. Os rituais da academia são um pouco burocratizados, mas fiquei honrado de pertencer à mesma instituição do meu grande mestre, Euclides da Cunha. Já a escola de samba tem muita coisa massificada. No dia em que recebi o titulo de doutor honoris causa da Univesidade Federal do Rio de Janeiro, a Império Serrano levou para a cerimônia uma parte da bateria, o mestre-sala, a porta-bandeira e uma ala de meninas e outra de baianas velhas, negras e lindas. Esse povo começou a tocar e a dançar em minha homenagem e beijava o estandarte da escola com uma paixão tão grande que pensei: da mesma forma que fui para a posse da Academia eu tenho de ir ao desfile na Marquês de Sapucaí. E foi aquilo...

No seu discurso de posse na ABL, por sinal, o senhor desenganou os pretendentes à sua cadeira dizendo que decidira não morrer nunca. Ao completar 80 anos, essa promessa se mantém?
Suassuna: Sim. Você ainda vai me entrevistar quando eu tiver 160 anos. Isso se você tomar algumas providências.

Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/pratica-pedagogica/ariano-suassuna-todo-professor-deve-ter-pouco-ator-610096.shtml

domingo, 10 de junho de 2012

Observando os alunos

Sobre a questão da observação do aluno, tentemos fazer por passos.

Primeiro, com o olhar objetivo, sem julgamentos e interferências conclusivas, observem aspectos do Corpo Físico. O CF está ligado ao reino mineral; fiquem com esta imagem durante alguns dias, sem julgamentos, vejam o que ela diz, como ela toca em vocês.

Depois de alguns dias, façam esta obervação via Corpo Etérico. Como está a vitalidade? Que brilho tem? O CE está ligado ao reino vegetal, sempre muito objetivamente.

Passados alguns dias, observem o Corpo Astral. O CA está ligado ao reino animal (paixões, agressividade, sexualidade, etc.). Fiquem, durante alguns dias, somente com esta astralidade.

Para somente depois integrar, e ver como é que esta indivídidualidade está começando a se manifestar, mesmo que...ainda não tenha 21 anos, vejam como estão os demais corpos integrados, e como esta individualidade está se manifestando. Observem de que forma ela toca, que perguntas a partir dela chegam até vocês, o que ela necessita, o que ela está dizendo ou querendo dizer...etc.

Em cada passo vocês podem fazer anotações descritivas, isto ajuda no treino da objetividade, parece fácil, mas não é... a nossa subjetividade entra por todas as brechas...

É fundamental que vocês silenciem, busquem a objetividade, como se estivessem fazendo movimentos de entrar em contato profundo com este Ser e depois se afastar, buscando a distância.

A observação da criança é um pouco mais complexa e, nos cursos de formação que dávamos no GAIA, era tema de um fim de semana e um mês inteiro, treinando. Mas, se vocês conseguirem estas imagens, já ajuda muuiito.

Para a Observação de Crianças não existe material escrito, ao menos publicado (que eu conheça), é uma prática.

Depois desta fase, vocês podem buscar a imagem do aluno pela Trimembração. Como este aluno está com relação ao Pensamento - ao Sentimento - e à Vontade.

Vamos trocando...

Por Neide Eisele

terça-feira, 27 de março de 2012

ESTUDO ERRADO

Gabriel - O Pensador

Eu tô aqui pra quê? Será que é pra aprender? Ou será que é pra aceitar, me acomodar e obedecer? Tô tentando passar de ano pro meu pai não me bater. Sem recreio, de saco cheio porque eu não fiz o dever. A professora já tá de marcação porque sempre me pega disfarçando, espiando e colando toda a prova dos meus colegas. E ela esfrega na minha cara um zero bem redondo. E quando chega o boletim lá em casa, eu me escondo. Eu quero jogar botão, vídeo game, bola de gude. Mas meus pais só querem que eu “vá pra aula!” e “estude!” Então dessa vez eu vou estudá até decorar, cumpádi! Pra me dar bem e minha mãe deixar eu ficar acordado até mais tarde. Ou quem sabe aumentar minha mesada pra eu comprar mais revistinha (do Cascão?) Não! De mulher pelada. A diversão é limitada e o meu pai não tem tempo pra nada. E a entrada no cinema é censurada (vai pra casa, pirralhada!) A rua é perigosa. Então, eu vejo televisão (tá lá mais um corpo estendido no chão) Na hora do jornal eu desligo porque eu nem sei o que é inflação – ué, num te ensinaram? – Não. A maioria das matérias que eles dão, eu acho inútil. Em vão, pouco interessante, eu fico pu... Tô cansado de estudar, de madrugar, que sacrilégio (Vai pro colégio!!!) Então eu fui relendo tudo até a prova começar. Voltei louco pra contar.

Manhê! Tirei um dez na prova. Me dei bem, tirei um cem, eu quero ver quem me reprova. Decorei toda a lição. Não errei nenhuma questão. Não aprendi nada de bom, mas tirei dez (Boa, filhão!)

Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci. Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi. Quase tudo que aprendi, amanhã eu já esqueci. Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi.

Decoreba: esse é o método de ensino. Eles me tratam como ameba e assim eu num raciocino. Não aprendo as causas e conseqüências, só decoro os fatos. Desse jeito até história fica chato. Mas os velhos me disseram que o “porquê” é o segredo. Então, quando eu num entendo nada, eu levanto o dedo. Porque quero usar a mente pra ficar inteligente. Eu sei que ainda num sou gente grande, mas eu já sou gente. E sei que o estudo é uma coisa boa. O problema é que sem motivação, a gente enjoa. O sistema bota um monte de abobrinhas no programa. Mas aprender a ser um ignorante (...) Ah, um ignorante. Por mim, eu nem saía da minha casa (Ah, deixa eu dormir) Eu gosto dos professores e eu preciso de um mestre. Mas eu prefiro que eles me ensinem alguma coisa que preste – O que é corrupção? Pra que serve um deputado? Não me diga que o Brasil foi descoberto por acaso! Ou que a minhoca é hermafrodita. Ou sobre a tênia solitária. Não me faça decorar as capitanias hereditárias!!! (...) Vamos fugir dessa jaula! “Hoje eu tô feliz” (matou o presidente?) Não. A aula! Matei a aula porque num dava. Eu não agüentava mais! E fui escutar o Pensador, escondido dos meus pais. Mas se eles fossem da minha idade, entenderiam (Esse num é o valor que um aluno merecia!) Iiiih... Sujô (hein?) O inspetor! (Acabou a farra, já pra sala do coordenador!) Achei que ia ser suspenso, mas era só para conversar. E me disseram que a escola era meu segundo lar. E é verdade. Eu aprendo muita coisa, realmente. Faço amigos, conheço gente, mas não quero estudar pra sempre! Então, eu vou passar de ano! Não tenho outra saída. O ideal é que a escola me prepare para a vida, discutindo e ensinando os problemas atuais. E não me dando as mesmas aulas que eles deram pros meus pais, com matérias das quais eles não lembram mais nada. E quando eu tiro dez, é sempre a mesma palhaçada:

Manhê! Tirei um dez na prova. Me dei bem, tirei um cem, eu quero ver quem me reprova. Decorei toda a lição. Não errei nenhuma questão. Não aprendi nada de bom, mas tirei dez (Boa, filhão!)

Encarem as crianças com mais seriedade, pois na escola é onde formamos nossa personalidade. Vocês tratam a educação como um negócio, onde a ganância, a exploração e a indiferença são os sócios. Quem devia lucrar, só é prejudicado. Assim cês vão criar uma geração de revoltados. Tá tudo errado e eu já tô de saco cheio! Agora me dá minha bola e deixa eu ir embora pro recreio...

O MASSACRE DAS PROVAS E NOTAS


Jussara Hoffmann (adaptação)

A tortura do vestibular é, de fato, um tema que merece contínuos protestos. E, tão indignada quanto todos, venho unir-me ao protesto denunciando um massacre de ainda maior dimensão. Como pesquisadora nessa área, nos últimos dias, ouvi de muitas pessoas histórias relacionadas à avaliação na escola e na universidade. Todas elas iniciaram comentando o sofrimento dos filhos ou amigos que fazem o vestibular. Suas histórias vinham, assim, demonstrar sua revolta: furiosas, raivosas até, com a prática de provas e notas que, injusta e arbitrariamente, continua obstaculizando o acesso de crianças e jovens a outras séries e graus de ensino, ferindo-os no seu direito à educação progressiva e contínua.

A primeira história é de um garoto que cursou, neste ano, a 5ª série de uma escola em Porto Alegre. Ao final do ano passado, nessa mesma escola, ficou reprovado em Matemática e Português – sendo aprovado em todas as outras disciplinas -. As justificativas da escola reduziram-se à falta de interesse do menino e à sua distração nas aulas. Não é necessário mencionar a dificuldade dos pais do aluno, em contrapor-se à escola, humilhados, inclusive, por sua parcela de culpa no “desinteresse do menino”. Ao aluno restou a culpa e os castigos que os pais lhe impuseram. Soube, então, que foi reprovado novamente nesse ano, nessa mesma escola. Realizou provas de recuperação em seis disciplinas – todas com três ou quatro páginas e na mesma semana - e ficou, dessa vez, em Ciências (porque alcançou nota 5,7 quando deveria alcançar 6,0) e em Educação Artística, porque, conforme justificativa da escola, ele não costumava levar o material para os trabalhos a serem feitos.

A segunda história é de um garoto de 1ª série, de outra escola, repetindo esta série pela segunda vez e também reprovado. O menino apresenta um defeito de visão e precisa usar óculos. Os colegas fazem troça dele – o que o levou a não usar os óculos na escola – conseqüentemente, não consegue acompanhar os trabalhos e fazer os testes... Foi o que a mãe ouviu da professora, quando foi buscar o resultado final da criança.

A terceira história é de uma estudante de Odontologia, cursando o último semestre e, embora já estivesse trabalhando em um consultório dentário e iniciando na profissão, deixou de formar-se com a sua própria turma, que sempre acompanhou desde o ingresso na universidade. Faltou à estudante um ponto na prova única e final de uma das cinco disciplinas do último semestre. E, anote-se: disciplina de uma área distinta da especialização que havia escolhido.

Alguém pode tomar conhecimento de tais denúncias e permanecer impassível? E quantas pessoas (inclusive políticos e educadores) gastam o seu tempo com “mais um artigo” sobre o vestibular? Não temos todos uma parcela de culpa em tamanha inflexibilidade e autoritarismo na educação em nosso tempo? É secular o massacre aos estudantes em nome do uso de testes comprovadamente falhos no que diz respeito a uma compreensão mais ampla da sua aprendizagem. E todo o autoritarismo e poder de escolas e professores acaba camuflado pela pressuposta precisão e infalibilidade das notas – com seus décimos e centésimos – que, em inúmeras vezes, são atribuídas por critérios subjetivos, incoerentes e obscuros.

Quando a sociedade civil acordará para pedir contas do que lhe é direito, exigindo para seus filhos, uma escola que exerça efetivamente uma ação educativa de respeito e acompanhamento do desenvolvimento dos alunos, para além dos testes e notas, para além das avaliações superficiais e arbitrárias? Uma escola que se comprometa com o uso dos óculos pelo Rodrigo, que se envergonhe com o fato de um aluno “desaprender” Ciências, após um ano de repetição, que analise as conseqüências pessoais e profissionais para os estudantes, de decisões inflexíveis de alguns que se dizem educadores.

Sofremos, sim, com os vestibulandos, mas o vestibular é só mais um trágico detalhe no panorama da exclusão da escola brasileira a que poucos sobrevivem.